Autocuidado, autoestima e prevenção em saúde são temas que, há tempos, dividem a atenção dos alunos com as aulas tradicionais de Matemática e Língua Portuguesa na rede municipal de ensino de Montenegro. Ensinamentos antes restritos ao ambiente familiar hoje estão no cotidiano dos alunos por meio do Programa de Saúde do Escolar (PSE) – uma iniciativa que une esforços das secretarias municipais de Saúde e de Educação. O objetivo é promover o bem-estar de crianças e adolescentes desde os primeiros anos de vida.
A idéia de trabalhar educação em saúde nas escolas surgiu no começo dos anos 2000, em um primeiro momento, focado na prevenção de gravidez na adolescência e alertando sobre as infecções sexualmente transmissíveis. “Naquela época, tínhamos um grupo de sexualidade em parceria com a Secretaria da Educação. Foi ali que percebemos a necessidade de uma articulação mais ampla em torno da educação em saúde”, lembra a assistente social Ana Paula Martins, coordenadora do PSE.
Aos poucos, o projeto cresceu, ampliando a abordagem temática e a faixa etária dos alunos, passando a trabalhar com assuntos do dia a dia. Entre eles, a importância do brincar para o desenvolvimento emocional, o autocuidado, o banho, a saúde bucal, a alimentação, a importância da vacinação até atendimentos de saúde de rotina. Conforme a idade do público, a “conversa” passa para a fase do desenvolvimento físico e emocional na adolescência até questões preventivas, como a gravidez na adolescência e as infecções sexuais.
O programa foi uma iniciativa da Prefeitura, mas, com o passar do tempo, incorporou as práticas do Programa de Saúde na Escola – PSE, programa do governo federal instituído em 2007. Prevê o desenvolvimento das políticas de saúde e educação voltadas às crianças, adolescentes, jovens e adultos da educação pública brasileira.
O trabalho se dá a partir das demandas das escolas, que realizam o contato com a Secretaria Municipal de Saúde, solicitando a atividade e realizando agendamento prévio. O trabalho pode iniciar já com os mais pequenos. A proposta é desenvolver os temas de forma lúdica e sempre afetuosa. “Muitas crianças gostam de contar fatos e situações da rotina de casa e, a partir daí contextualizamos nossa fala. Assim, eles se sentem parte do processo”, relata Ana Paula.
A equipe trabalha com noções básicas de auto-cuidado: banho, escovação, vacinação, alimentação e até, em alguns casos, a importância do cuidado com os pets. O trabalho é desenvolvido de forma a respeitar a idade e o universo das crianças e adolescentes. “A prevenção em saúde começa cedo e deve ser parte natural da rotina escolar”, explica a coordenadora.
Entre os adolescentes, além dos cuidados com o corpo e a alimentação, são debatidas questões como saúde emocional, hábitos saudáveis e prevenção de doenças. Segundo Ana Paula, os profissionais e professores percebem que quando eles têm espaço para esclarecer dúvidas e recebem informações de forma acessível e respeitosa, sentem-se mais confiantes para buscar ajuda.
Profissionais da saúde dentro das escolas
As atividades do PSE são desenvolvidas por profissionais de diversas áreas: serviço social, enfermagem e odontologia. A proposta é trabalhar com rodas de conversa, em que os alunos possam expressar dúvidas, refletir sobre suas escolhas e construir coletivamente conhecimentos sobre o próprio corpo e o meio em que vivem. “A escuta é parte essencial do nosso trabalho. Muitas vezes, as demandas surgem a partir das conversas informais”, destaca Ana Paula.
Mudanças percebidas no cotidiano escolar
De acordo com Ana Paula, uma das transformações mais evidentes trazidas pelo programa é a aproximação entre os alunos e os serviços de saúde. “Quando falamos sobre saúde reprodutiva, por exemplo, alguns adolescentes acabam nos procurando individualmente para tirar dúvidas ou mesmo para agendar consultas. Isso mostra que eles estão criando vínculos com o cuidado, o que é muito positivo”, avalia.
Apesar dos avanços, os desafios continuam. Um dos principais obstáculos hoje é a concorrência com as redes sociais e a internet. “A informação está ali, ao alcance de um clique, mas falta profundidade. O Google responde, mas nem sempre educa. Precisamos nos reinventar diariamente para tornar nossos encontros mais atrativos”, reflete Ana Paula. As chamadas fake news também preocupam: dados distorcidos, mitos e preconceitos acabam se espalhando com rapidez, dificultando o trabalho de orientação e prevenção.
Educação sexual: espaço para o diálogo seguro
Embora o foco do programa seja amplo, a educação sexual continua sendo uma das principais frentes de atuação junto aos adolescentes. A abordagem, no entanto, é feita com cuidado, respeitando o tempo de cada turma e as particularidades da comunidade escolar. São trabalhados temas como métodos contraceptivos, prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), relacionamento saudável e projeto de vida.
“Infelizmente, ainda vemos números significativos de gravidez na adolescência e de jovens infectados com ISTs. Isso mostra que, apesar de toda a informação disponível, há lacunas na aplicabilidade do que se aprende. É por isso que insistimos em estar presente, conversando, orientando e acolhendo”, afirma Ana Paula.
Quando há disponibilidade, os alunos também recebem materiais educativos e kits de saúde bucal – uma forma de reforçar as orientações passadas em sala de aula. Atualmente, a equipe aguarda a confecção de novos impressos sobre ISTs para serem distribuídos nas visitas.
Futuro do programa: protagonismo juvenil
Pensando no futuro, uma das metas do programa é estimular o protagonismo juvenil. A ideia é formar grupos de adolescentes voluntários dentro das escolas, para que sejam multiplicadores das ações de saúde preventiva. “Ainda é uma proposta embrionária, mas acreditamos no potencial dos jovens como agentes de mudança em seus próprios ambientes. Se bem conduzido, esse trabalho pode gerar resultados muito transformadores” acredita Ana Paula.
A assistente social também destaca a importância da parceria entre Saúde e Educação como eixo central do sucesso do programa. “Temos uma troca muito rica com as escolas. As colegas da Educação são extremamente comprometidas. Juntos, conseguimos ser mais do que profissionais: somos agentes que podem marcar positivamente a vida das pessoas”, afirma.
Ana Paula completa com uma reflexão que resume o espírito do PSE: “Sempre digo que podemos ser a melhor ou a pior lembrança na vida de alguém. Com esse trabalho, tenho certeza de que estamos sendo lembrados como aqueles que fizeram a diferença. Tenho orgulho de fazer parte desta história”.